terça-feira, 18 de março de 2014

Sind-UTE denuncia os problemas enfrentados nas escolas estaduais de Governador Valadares ao Ministério Público da Vara da Infância e Juventude.

" As denúncias feitas no dia 26 de fevereiro pelo Sind-UTE subsede Governador Valadares já estão em andamento sua execução pelo Ministério Público que constamos hoje."



Exmo. Sr.(a) Promotor (a) de Justiça  da Infância e do Adolescente do Ministério Público Estadual da Comarca de Governador Valadares.

                                     O SINDICATO ÚNICO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS – SIND-UTE/MG Subsede Governador Valadares, entidade sindical, pessoa jurídica de direito privado, situada à Rua São João, 558, Centro, Governador Valadares na pessoa de sua Coordenadora Geral (Waender Soares de Sousa), vem, nos termos do art. 129 da Constituição Federal, da Lei nº 8.069/90 e da Lei nº 9.424/96, delatar a ocorrência dos fatos relacionadas abaixo, na forma de REPRESENTAÇÃO, passando a expor:

A representação em tela tem o intuito de que o douto Representante do Ministério Público Especializado, como fiscal da lei e do efetivo respeito aos direitos da Criança e do Adolescente e dos Poderes Públicos, promova todas as medidas investigatórias necessárias para que as questões levantadas e a conduta delatada sejam esclarecidas e obstadas sua prática, instaurando-se o inquérito civil ou o penal para apuração dos fatos, tudo com o objetivo de que os agentes estatais responsáveis pelas irregularidades apontadas a seguir sejam responsabilizados civil, administrativa e penalmente, se for o caso, e, promovendo, a tanto, todas as diligências cabíveis para o fiel desempenho de seu encargo.
                                     
Em 07 de Novembro de 2013 foi editada a Resolução SEE nº 2.442 que dispõe sobre a organização do quadro de pessoal da rede pública estadual de Minas Gerais.  

No artigo 3º, dispõe que:
“Art. 3º- A oferta do Ensino Médio em turnos diurnos deve ser opção preferencial da escola, observando-se ainda o disposto no artigo 2º desta Resolução.
§ 1º - O turno noturno deve ser reservado para a oferta de atendimento:
I - aos alunos comprovadamente trabalhadores com idade superior a 16 (dezesseis) anos;
II - aos alunos com idade igual ou superior a 14 (quatorze) anos, comprovadamente inscritos em Programas de Menor Aprendiz (Lei Federal nº 10.097/2000 e Emenda Constitucional nº 20/1998 à CF/1988);
III - aos alunos da Educação de Jovens e Adultos; e
IV - aos alunos matriculados em Programas de Educação Profissional ministrados nas escolas estaduais em concomitância com o Ensino Médio.”(g.n)
§2º As turmas atendidas no turno noturno em 2013 terão continuidade até a terminalidade, se de interesse dos alunos ou se não existir disponibilidade para atendimento, no turno diurno.
§3º Para oferecer novas turmas do Ensino Médio no turno noturno, a escola deverá, mediante justificativa fundamentada, obter autorização formal do Diretor da Superintendência Regional de Ensino.”(g.n)


O que está ocorrendo em diversas escolas de Minas Gerais é o fechamento do período noturno, ocasionando a oferta de ensino de modo irregular pelo Estado.

A supressão do ensino no período noturno das escolas estaduais pelo Governo prejudicará tanto os alunos que já possuem alguma atividade profissional durante o dia, quanto os alunos que já estudam nos turnos diurnos e que, futuramente, poderão a vir exercer alguma atividade.

O fato de a Escola ter que ofertar “preferencialmente” a demanda do Ensino Médio no turno diurno, como estabelece a Resolução SEE nº 2.442, não se pode concluir que não há necessidade da manutenção do turno noturno nas escolas estaduais.

A Resolução estabelece que o turno noturno das Escolas Estaduais serão destinados aos alunos que comprovarem algum vínculo empregatício, elencados no seu §1º, que os impedem de estudar no período matutino ou vespertino.
Não precisa mencionar o impacto que a supressão do turno noturno das escolas estaduais ocasionará na vida dos alunos e de seus familiares.

Tal prática fere amplamente as disposições contidas na Constituição da República de 1988, Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei Federal nº 9384/96, no Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Federal nº 8.069/1990, senão vejamos.

Essa questão vertida contraria o direito fundamental à educação, amplamente protegido pela nossa Carta Magna, senão vejamos:

“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”


Ainda, o artigo 206 destaca:

Art. 206. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
(..)
VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.” (g.n).


Importante lembrar que o Estado tem o dever de prestar um serviço com qualidade de ensino, posto se tratar de um direito fundamental do indivíduo.

Ainda, a educação tem que ser ofertada baseada em uma gestão democrática, onde todos terão direitos iguais no acesso ao ensino.

Ao determinar o fechamento das escolas estaduais nos turnos noturnos, o Estado está escusando de cumprir o seu dever, como dispõe o inciso VI do artigo 208 da CR/88, abaixo:

“Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
(...)
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;” (g.n)


Nesse diapasão, vejamos o que dispõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei Federal nº 9.384/96:

“Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
(...)
 VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;” (g.n)

Não obstante, o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Federal nº 8.069/1990, versa:

“Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; “

“ Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
(...)
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador;
(..)
§ 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente”. (g.n)

A educação ofertada pelo Estado de Minas Gerais deve estar pautada na qualidade de ensino, uma vez que a sua oferta irregular, através do fechamento dos turnos noturnos, enseja responsabilidade da autoridade competente, conforme previsão legal no Estatuto da Criança e Adolescente.

Importante mencionar que com o advento da Constituição de 1988 e dos diplomas legais complementares no tocante ao direito à educação, o panorama jurídico alterou-se significativamente, em especial no que diz respeito ao direito fundamental da criança e do adolescente.

Todos os direitos sociais constitucionalmente assegurados, nenhum mereceu, explicitamente, por parte do legislador constituinte e ordinário, o cuidado, a clareza e a contundência do que a regulamentação do Direito à Educação.

Pode-se afirmar que é o primeiro e o mais importante de todos os direitos sociais, posto que a Educação tem que ser entendida como valor de cidadania e de dignidade da pessoa humana, itens essenciais ao Estado Democrático de Direito e condição para a realização dos ideais da República, de construir uma sociedade livre, justa e solidária, nacionalmente desenvolvida, com a erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais e regionais e livre de quaisquer formas de discriminação, conforme preleciona o artigo 3º da Constituição Federal de 1988.
Já assegurada na nossa Carta Magna, no seu artigo 208, inciso VI e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação no seu artigo 4º, inciso VI, como mero princípio do ensino, o Estatuto da Criança e Adolescente assegura à criança e ao adolescente o direito à oferta de ensino período noturno.

Entretanto, além da oferta regular do ensino, a permanência na escola deve estar pautada em um padrão de ensino de qualidade, que visa respeitar o desenvolvimento e a aprendizagem da criança e do adolescente, cujos quesitos são necessários para o pleno exercício da cidadania por eles.

Vale dizer que o Direito à Educação da criança e do adolescente impõe ao sistema educacional, considerado no seu todo ou em relação a qualquer uma de suas instituições de ensino em particular, a eliminação de todas as formas que visem prejudicar a qualidade de ensino de forma que comprometa a aprendizagem dos alunos.

Por isso, tanto a CR/88 quanto o ECA e a LDB estabelecem o dever do Estado de ofertar o ensino noturno regular de acordo com as condições do educando e do adolescente trabalhador.

Ao deixar de oferta o ensino de modo regular no período noturno nas Escolas Estaduais, tal medida implicará:
a)          superlotação das salas de aula no período diurno;
b)          diminuição da oferta de vagas no Ensino Médio da rede estadual;
c)          ausência da oferta regular do ensino noturno para os alunos que exercem alguma atividade profissional, impedindo-os de ter acesso à educação.
d)          evasão escolar, já que muitos alunos terão que deixar as escolas para exercer alguma atividade profissional no período diurno.

Nítido o prejuízo que os alunos e a sociedade terão a partir da supressão do ensino turno noturno nas escolas estaduais.

Lado outro cumpre salientar que a Constituição Federal de 1988, com o intuito de consolidar a democracia, trouxe como fundamento o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

                                   A Dignidade da Pessoa Humana existe essencialmente para que o indivíduo possa realizar as suas necessidades básicas. Ressalte-se que esse princípio é ligado intrinsecamente à pessoa humana, protegendo-a de qualquer situação que possa impossibilitá-la de ter uma vida digna. 

                                   Ensinam os mestres Alexandre de Moraes e Ingo Wolfgang Sarlet, respectivamente, sobre o Princípio da Dignidade Humana:

“A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um MÍNIMO INVULNERÁVEL QUE TODO ESTATUTO JURÍDICO DEVE ASSEGURAR, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.” (destacamos) Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. SP: Atlas, 2002.
“[...] qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos” (destacamos). Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

                                   Assim, percebe-se que a Dignidade da Pessoa Humana consiste em direitos e deveres que protejam os cidadãos contra atos DEGRADANTES e DESUMANOS, que lhes impeçam de ter condições mínimas para uma vida honesta e honrada.

Por isso, ao determinar o fechamento dos turnos noturnos das escolas estaduais, o Governo de Minas fere amplamente o principio da dignidade da pessoa humana, já que tamanha arbitrariedade irá resultar no comprometimento do sustento de inúmeras famílias que dependem economicamente dos seus jovens que trabalham durante o dia.

Nesse ínterim, o Ministério Público de Minas Gerais da cidade de Campestre, diante da sua função constitucional de defender o ordenamento jurídico, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais disponíveis, conforme preconiza o artigo 127 da Carta Magna, ao ser provocado sobre a matéria, expediu Recomendação nº 03/2014 para Superintendente Regional de Ensino, nos seguintes termos (anexa):

1.Que seja aceita pelas escolas da rede estadual, para a matricula de adolescentes no período noturno, a declaração de um dos pais/responsável legal e do próprio adolescente maior de 16 (dezesseis) anos quanto à existência da relação de trabalho, ainda que informal, sua natureza, o empregador e seu endereço.
2. Que sejam disponibilizadas vagas, no turno noturno, a todos os adolescentes que vierem a comprovar a relação de trabalho, por meio de prova documental ou testemunhal.
3. Que seja determinado às escolas da rede pública estadual que essas declarações apresentadas pelos alunos e seus representantes legais sejam encaminhadas ao Ministério Público para posterior encaminhamento ao Ministério Público do Trabalho e Emprego, a fim de garantir fiscalização quanto à eventual irregularidade de relações de trabalho envolvendo adolescentes.
4. Que informe à Promotoria de Justiça, em até 05 dias após o recebimento desta, as providencias tomadas para o cumprimento da presente Recomendação Administrativa.
ALERTA, por fim, que o não cumprimento das recomendações acima referidas importará na tomada das medidas judiciais cabíveis, inclusive no sentido da apuração da responsabilidade civil, administrativa e mesmo criminal dos agentes que, por ação ou omissão, violarem ou permitirem a violação dos direitos de crianças e adolescentes, ex vi do disposto nos arts. 5º, 208 e 216, todos da Lei nº 8.069/1990, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.” (grifos nossos)

Assim também ocorreu na cidade de Nova Serra, onde houve intervenção do Promotor da Vara da Infância e Juventude Dr. Alderico de Carvalho Júnior que expediu orientação para a Superintendência Regional de Ensino e todas as escolas estaduais da região. O trecho da entrevista veiculada no dia 19/02/2014 na internet pode ser visualizada no link: http://g1.globo.com/mg/centro-oeste/noticia/2014/02/alunos-nao-podem-estudar-noite-sem-comprovar-emprego-em-mg.html (anexa)abaixo transcrita:

“De acordo com o promotor da Vara da Infância e Juventude, Alderico de Carvalho Júnior, a evasão escolar é uma realidade bem presente no município. Principalmente de alunos que deixam o ensino fundamental para entrar no ensino médio. O medo do promotor é que com a resolução do governo a evasão escolar aumente ainda mais. Por isso ele já tomou uma medida. "O Ministério Público fez uma recomendação às escolas estaduais de Nova Serrana para que aceitem a matrícula dos adolescentes comprovadamente trabalhadores, mas não necessariamente da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e sim desde que eles escrevam de próprio punho que trabalham, mesmo na informalidade”, explicou.
Caso a recomendação não seja acatada o promotor ainda vai tomar novas medidas. “O Ministério Público entrará com uma ação civil pública para garantir o direito de acesso ao ensino dessas adolescentes”, .....


Pelo exposto, firme na garantia dos direitos da criança e do adolescente no tocante a uma educação com qualidade de ensino prestada com seriedade, pede a entidade representante, que sejam adotadas as medidas cabíveis, instaurando-se o devido inquérito civil, sendo com isso expedida recomendação ao representante legal do Estado de Minas Gerais ou adotado outro procedimento cabível, para garantir e promover o fiel cumprimento da Lei Federal nº 9.384/1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação  e do Estatuto da Criança e do Adolescente no sentido de que seja determinada a oferta regular do ensino noturno em todas as escolas estaduais de MG.

                                                       
Nestes Termos,
Pedem Deferimento.

Governador Valadares, 18 de Março de 2014.



Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais -SIND/UTE-MG Subsede Governador Valadares.

__________________________
Waender Soares de Sousa
Coordenadora ou coordenador Geral da Subsede

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