Ofício nº 06/2015
Governador Valadares, 19 de novembro de 2015
Assunto: Reposição de aulas em face do decreto de calamidade pública
Ilma. Sra.
DIRETORA DA SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DE ENSINO DE GOVERNADOR VALADARES/MG
Senhora Superintendente,
O Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação do Estado de Minas Gerais, subsede de Governador Valadares/MG, com sede na Rua São João, 558, sala 09, Centro, Governador Valadares - MG, vem expor e requerer o que segue:
No dia 10 de novembro de 2015, foi decretado pela Prefeita Elisa Costa situação de calamidade pública frente ao desabastecimento de água de Governador Valadares, por causa da passagem da lama que vazou das barragens da mineradora Samarco.
Por conta da falta de água potável (bem essencial à vida) as escolas estaduais no município de Governador Valadares e região tiveram suas aulas suspensas nos dias 11, 12 e 13 de novembro.
Os diretores começaram a apresentar o calendário de reposição destas aulas, porém as aulas não lecionadas por motivo de situação de calamidade pública não devem ser repostas conforme veremos:
É cogente a disposição da LDB, ou seja, ela, sem qualquer outra possibilidade, fixa a necessidade de que existam ao menos 800 (oitocentos) horas de aula distribuídas em, ao menos, 200 (duzentos) dias letivos e, ao se olhar o que ali está positivado, há uma primeira impressão de que o assunto está resolvido.
Ocorre que uma lei não existe isolada em um sistema normativo. Uma lei decorre de outra, cumpre finalidades, e com outras normas, tanto normas que lhe são superiores como normas que lhe são inferiores, se comunica.
Não há dúvida de que a norma destacada – o inciso I do artigo 24 da LDB – possui a finalidade de conferir à população discente um direito: o aluno, aquele que frequenta o Ensino Fundamental ou Médio, possui o direito de exigir os mínimos em horas e dias ali fixados, sem dúvida, e quanto a isso não há discussão.
Esse direito, no entanto, não é indisponível, ou seja, o aluno pode abrir mão dele, tanto que possui o direito, fixado nos regimentos internos das escolas, a um determinado número de faltas sem que isso implique em sanções acadêmicas. O que vale é que aquele mínimo de horas e de dias está ali para ser exigido.
Há, no entanto, para alunos e não alunos, para os cidadãos brasileiros de um modo geral, um direito fundamental, preservado pela nossa norma maior, a Constituição Federal, que é o direito à vida, isso estabelecido no caput do artigo 5º da Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
Por que fazer referência, neste ofício, ao direito à vida?
O fato é que Governador Valadares e região viveu durante dias e ainda vive o não fornecimento de água potável.
Como se sabe, a água é imprescindível para a vida.
Em que pese nossa Constituição pouco ou nada tratar especificamente sobre a água, é certo que tal direito está implícito tanto no direito à vida e à saúde, como no princípio fundamental de dignidade da pessoa humana. No plano internacional, a Declaração de Direitos Humanos de 1948, em seu artigo 25, e o Pacto dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais, em seus artigos 11 e 12, também tratam, embora não-expressamente, do direito à vida e à saúde sob um espectro bastante amplo. Convém ressaltar, ainda, o posicionamento adotado pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas em sua 29ª sessão, ocorrida em Genebra em novembro de 2002, que culminou na Observação Geral nº 15, tendo como título “Direito à Água”, fazendo alusão aos artigos 11 e 12 do Pacto dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais, na qual definiu-se esse direito a um fornecimento suficiente de água de qualidade a um custo acessível.
Diante desta situação calamitosa, a atividade letiva foi suspensa por três dias e, é claro que o foi por um motivo sobre o qual seria impossível se fazer qualquer previsão ou prevenção; motivo derivado de caso fortuito e força maior.
É importante ressaltar que o Ministério da Educação emitiu parecer (CNE/CEB nº 09/2009) esclarecendo e orientando sistemas de ensino em todo o país sobre a questão do cumprimento ou não do calendário escolar, com vistas a garantir a tranquilidade de toda a comunidade escolar, principalmente dos municípios que foram mais atingidos pela situação calamitosa da epidemia da “gripe A”. No caso de Governador Valadares a situação é de calamidade pública em que se aplica o mesmo parecer.
O recomendado pelo Ministério da Educação, é que em casos de calamidade pública poderá haver suspensão sem a reposição das aulas conforme texto do parecer CNE/CEB nº 09/2009 transcrito abaixo:
“Levando-se em conta que nenhuma norma que confere direitos é construída para não ser exigível de bom grado por aqueles para as quais elas são destinadas, fica evidenciado que não há razoabilidade na exigência meramente burocrática do cumprimento de 800 (oitocentas) horas e 200 (duzentos) dias letivos, ainda mais quando se leva em conta o motivo exposto”
A LDB, Lei nº 9.394/96, na questão dos dias e da carga horária mínima, é adequadamente redigida, sem dúvida, mas ela é, igualmente, bastante severa, porque, considerando-se um ano de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias, descontando-se, deste, 30 dias de férias, descontando-se os finais de semana, os feriados e afins, os dias úteis somam muito perto de 200 (duzentos) e, em casos como o que se narrou, onde o motivo existiu sem que houvesse como resistir aos seus efeitos, com a necessidade de adiamento das atividades letivas normais, um ano letivo de 200 (duzentos) dias não pode ser praticado, e por várias razões.
A reposição de aulas gera diversos transtornos tanto para o professor quanto para o aluno, inclusive atualmente já foi elaborado pelas escolas o calendário de reposição dos dias de paralisação totalizando 7 dias a serem repostos. Então, no caso concreto, um direito se transformaria em ônus, o que, convenhamos, não é o desejo contido na LDB.
Há, portanto, um único direito concreto que se buscou preservar com a suspensão das aulas, qual seja, o direito sagrado e universal à vida.
De acordo com a orientação do Ministério da Educação, quando se confronta esse direito com o direito que está escrito no artigo 24, I, da LDB, em primeiro lugar, por um entendimento inquestionável, é a salvaguarda da vida que prevalece.
No presente caso de Governador Valadares, as aulas foram suspensas por apenas três dias, não comprometendo o planejamento político-pedagógico, nem tampouco o ensino-aprendizagem, por isso as aulas suspensas não devem ser repostas com amparo legal no decreto de calamidade pública bem como na orientação do MEC CNE/CEB nº 09/2009.
Diante do amplamente exposto, é a presente para requerer que esta Superintendência Regional de Ensino de Governador Valadares não faça a exigência de reposição de aulas com base no decreto de calamidade pública.
Caso tal requerimento seja negado, solicita-se a devida justificativa e fundamentação de tal ato, uma vez ser dever da Administração Pública motivar todos seus atos sob pena de nulidade.
Atenciosamente,
WAENDER SOARES DE SOUZA
COORDENADOR DO SIND-UTE/MG
SUBSEDE DE GOVERNADOR VALADARES - MG