Belo Horizonte, 17 de setembro de 2011.
“Na aplicação da Lei, o Juiz atenderá aos fins
Sociais a que ela se dirige e às exigências
do bem comum.”(Art. 5º da Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro)
A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte...
A gente não quer só comida
A gente quer bebida
Diversão, balé
A gente não quer só comida
A gente quer a vida
Como a vida quer...
...
A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer dinheiro
E felicidade
A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer inteiro
E não pela metade...
(Comida – Titãs)
Caríssimo Senhor Desembargador:
Foi com imensa tristeza que soube de Vossa decisão de determinar o
imediato retorno dos professores mineiros ao trabalho, ou seja, às
salas de aula. Não posso negar, também que fiquei surpreso ao ler o
teor do texto que fundamenta/justifica a decisão de Vossa Senhoria.
Como cidadão, professor, e, como o Senhor, funcionário público
remunerado pela população – inclusive a dos “grotões mineiros” em
que, segundo vosso texto, fruto de vosso insuspeito conhecimento de
causa, as crianças vão à escola “mais atraídos pelo pão do que pelo
ensino” –, também considero importante que “na aplicação da Lei, o
Juiz atenderá aos fins Sociais a que ela se dirige e às exigências do
bem comum.” Mas, pergunto, Senhor Desembargador, estaria mesmo
a vossa decisão colaborando para o bem comum?
No plano nacional, a nossa primeira Constituição, de 1824, já
determinava que a educação elementar seria pública e gratuita. Em
nosso passado recente, a Magna Constituição de 1988 garante esse
mesmo direito e expande ao determinar a natureza pública e
subjetiva do mesmo. O mesmo faz, como não poderia deixar de fazê-
lo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (1991) e a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (1996).
Veja, Senhor Desembargador, em Minas Gerais a primeira legislação
para a instrução pública, a Lei no. 13, é do ano de 1835. Ou seja, foi
uma das primeiras leis que nossos legisladores acharam por bem
aprovar porque reconheciam, mesmo dentro de limites às vezes
estritos, a importância da educação pública. De lá para cá, se
contarmos, veremos centenas de atos legislativos que, como aquela
Lei fundadora, vieram garantir o legítimo direitos dos cidadãos a uma
educação pública, gratuita e de qualidade.
No entanto, poderíamos perguntar: estariam esses direitos sendo
garantidos de fato? Sabemos que não, e não apenas para os dos
“grotões mineiros”. E isto não apenas hoje.
Ensina-nos a história da educação mineira que desde o século XIX
tem-se muito claro que os professores constituem elemento
fundamental para a qualidade da escola. No entanto, desde lá também
se sabe o quão difícil é garantir a entrada e permanência dos
professores na profissão. Veja, Senhor Desembargador, o que dizia
um Presidente da Província de Minas em 1871, isto é, há 140 anos: “À
par da crêação das escolas normaes devem se augumentar os
vencimentos dos professores. Não se pode esperar que procurem
seguir carreira tão pouco retribuída aquelles, que, depois de instruídos
nas escolas normaes, sejão convidados para outros empregos com
esperança de um futuro lisongeiro”. [Antonio Luiz Affonso de Carvalho,
Presidente da Província de Minas Gerais, em 02/03/1871]
Passados todos estes anos, e não são poucos, o que demonstram,
hoje, a experiência dos professores mineiros e as mais diversas
pesquisas acadêmicas é que em breve faltarão professores para a
escola básica brasileira. Aliás, para algumas disciplinas essa falta já é
sentida hoje. Mas não apenas isto. O mais grave é que,
independentemente do número, verifica-se que a profissão perdeu, de
vez, o poder de atrair/seduzir jovens talentos. Ou seja, a tarefa
socialmente relevante e culturalmente fundamental de conduzir as
novas gerações ao mundo adulto já não atrai parcela significativa (e
necessária) de sujeitos dessa mesma sociedade. É como se os jovens
estivessem dizendo: não vale a pena jogar o melhor das minhas
energias nessa tarefa, apesar de sua relevância social e cultural.
Veja, pois, Senhor Desembargador, que o poder público mineiro vem
lesando, há séculos, nossas crianças em seu mais que legítimo direito
à educação. E, convenhamos, a considerar o atual salário dos
professores mineiros, mesmo se comparado ao Vosso tempo de
“vacas magras”, a atual administração estadual nada fez para atacar o
problema. Muito pelo contrário, o agravou com a famigerada política
de subsídio. Considere, pois, Senhor Desembargador, que as
“queridas vacas”, como dizia a adorável professora do Drummond,
estão tão magras que em breve delas não teremos nem o leite, nem
a carne, nem o osso e nem mesmo o berro!
É louvável, Senhor Desembargador, a Vossa preocupação com a
fome das crianças dos “grotões mineiros”, assim como com a garantia
do direito à educação para a toda a população mineira e com os
danos causados pela greve ao alunado. Por outro lado, não posso
concordar que essa greve seja abusiva ou que precisaria se arrastar
ad aeternum. Parece-me, aqui, que uma das formas de a Justiça
contribuir para garantir, na aplicação da Lei, os “fins Sociais a que ela
se dirige e às exigências do bem comum”, seria obrigar Estado
mineiro a cumprir, sem subterfúgio, a legislação existente e instruí-lo a
reformar a péssima Carreira Docente em vigor. Esta contribui mais
para a desmotivação do professorado do que lhe acena com os justos
ganhos decorrentes da busca por mais e melhor formação e da
comprovada experiência adquirida no exercício da profissão.
Sabemos, Senhor Desembargador, que a justa decisão daquele que,
mantido pelo poder público, tem o dever e a legitimidade para decidir,
é, também, aquela que interpretando a Lei, de mãos dadas com a
experiência passada, descortina, no presente, o futuro que pretende
criar. A Justiça, Senhor Desembargador, se faz quando se tem em
mente os problemas (futuros) que nossas soluções criarão ou
deixarão de criar. A Justiça se faz, também, quando combate
injustiças duradouras e possibilita a criação de condições de uma
duradoura justiça!
Se o direito à educação de qualidade não se faz apenas garantindo o
acesso, este direito está, hoje como ontem, ameaçado, e sua garantia
não se faz na sala de aula e no pátio da escola, mas nas ruas e na
praças ocupadas pelos professores em greve. Neste momento, a
continuidade da greve como forma de obrigar a administração
estadual a responder, de fato, à situação humilhante dos professores
estaduais com melhores salários e condições de trabalho, é a única
forma de garantir o direito à educação, em cuja defesa todos nos
irmanamos.
As crianças que freqüentam a escola pública e as famílias que pagam
impostos para que o Estado a garanta, Senhor Desembargador, “não
querem só comida”. Querem tudo a que têm direito! Têm direito,
inclusive, a professores sejam felizes e satisfeitos com seus salários e
suas condições de trabalho! Professor que foi, aluno que aprendeu
com alguma professora nos bancos de uma escola, o Senhor
Desembargador deve saber também que a única forma de fazer uma
boa escola ou uma boa escola é que os professores tenham, eles
também, os seus direitos reconhecidos e protegidos. Eles não querem
“só comida”!
Finalmente, Senhor Desembargador, é preciso lembrar que,
contrariamente o ditado popular, nem sempre onde há fumaça há
fogo. E, às vezes, pode haver fogo se haver fumaça. Para isto,
bastaria ver a Praça da Liberdade na sexta feira. O “gás de pimenta”
pode “ser fogo”, como disse, em mensagem eletrônica uma professora
que lá estava: “Para quem nunca inalou gás de pimenta, a sensação
é a seguinte: um fogo na cara, um ódio no coração e muita tosse”.
Mesmo sem a cobertura da fumaça, foi lá que o Estado de Minas,
por meio de seus agentes legalmente constituídos, nos deu uma
péssima lição de cidadania. Penso, Senhor Desembargador, que o
episódio da Praça da Liberdade, este sim, merecia uma rápida
investigação e a punição exemplar daqueles que, atualizando o que
há de pior em nossa história, violentaram não apenas os professores,
mas todos nós, cidadãos deste país. Logo, imagino, também ao
Senhor.
Acalentando o sonho de que nossas crianças e jovens possam ter
garantido o direito a uma escola de qualidade e que os professores
mineiros tenham garantido o seu legítimo direito a lutar pelos seus
direitos, envio cordiais saudações.
Luciano Mendes de Faria Filho
Professor de História da UFMG
Coordenador do Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil –
1822/2022
Show !
ResponderExcluirMaior valorização dos professores, em todos os sentidos.
ResponderExcluirToda solidariedade ao professorado mineiro! Continuem na luta contra esse governo autoritário e essa justiça que não é cega, apenas enxerga o que lhe convém!
ResponderExcluirNossa!!!! Sem mais palavras.
ResponderExcluirDisse tudo num folego só!!!!
Sou tambem educadora e me senti representada. Parabens pela explanação
Nossa!!!! Sem mais palavras.
ResponderExcluirDisse tudo num folego só!!!!
Sou tambem educadora e me senti representada. Parabens pela explanação